19 de abril de 2008

«Isabelinha aos pés da cama»

Isabelinha gostava de espreitar o quarto quando este estava vazio. Raramente o podia fazer visto ser raro não ter alguém a quem alugar o quarto, por mais de dois, três dias.
Espreitava timidamente, abria a porta a medo e, com a cabeça inclinada lá para dentro, ficava uns instantes assim a observar o quarto que fugia do tempo. Era tão puro e fora de tudo que ela temia estragá-lo ou contagiar-lhe a presença.
Já tinham passado muitos anos desde que Isabelinha e sua mãe decidiram alugar o quarto para ganharem algum dinheiro que as ajudasse a suportar o peso de duas mulheres sozinhas, numa casa no meio da cidade, entre paredes carregadas de memórias do lento caminhar dos dias.
Normalmente aproveitava a sua hora de almoço para imaginar-se a viver ali, naqueles metros quadrados banhados de si mesma como gostaria de ser. A essa hora a mãe de Isabelinha ia às compras, ao mercado, ou ficava na conversa com a senhora da retrosaria. A casa era dela, mesmo que o seja sempre, era dela para ela libertar a cabeça dos pensamentos que se tem numa casa partilhada eternamente por duas almas para todo o lado e sempre ligadas por uma vida comum, num espaço comum, que por vezes lhe parecia ser uma vida preenchida de refeições, contas, telenovelas e vizinhança.
Faltava a essência. E a essência, Isabelinha procurava por detrás da porta do quarto azul, como que esperando magicamente absorver do ar que ali paira, um pouco de essência das vidas de quem lá dorme.
E Isabelinha sentava-se aos pés da cama e pensava...

1 comentário:

Anónimo disse...

:-)

.:. um amigo