7 de maio de 2008

«Os laços de Manelinha»

Manelinha levantou-se já perto das dez da manhã, rabugenta consigo mesma, quase zangada com mais um dia; sai da cama e lembra-se que tem "visitas" em casa.
António, o "santinho", era daqueles que ficava alojado na cidade só porque sim, não tinha compromissos, aparentemente não vinha em trabalho, vinha mudar de ares, e à Manelinha, depois de três dias de convivência mínima, António parecia-lhe um "santinho". Chegava a irritá-la, o "santinho", e ter de levar com ele, que ficava entre a cozinha e o quarto a passear-se todo bem vestido, além de a incomodar, irritava-a mesmo.
Ele tentava fazer conversa, educadamente, mas Manelinha, como sempre, arrepiava-se só de pensar que algum dia, alguma alma daquelas a quem aluga o quarto, se lembrasse de querer ficar ali indefinidamente.
Criar laços não era com ela. Já Isabelinha, parvinha, preferia quando alguém chegava a casa dela para ficar, um ficar que significava cinco dias no máximo normalmente. Gostava de pensar, fingir, que existia alguém naquela casa, a sério, para além das duas. Gostava porque ao fim de quatro dias as pessoas começam a falar mais abertamente, a dar-se um pouco, mas depois... Depois é hora de ir embora.
Quando Manelinha sai da casa de banho, já arranjada para sair directamente para o café do Tinoco, beber o seu carioca e comer o seu bolo de arroz, dá de caras com o António sentado à mesa da cozinha, de mãos a segurar a testa.
- Bom dia António.
- Bom dia Sra. Dona Manuela, passou bem? - responde António levantando-se para cumprimentar de longe a dona da casa.
- Passei bem sim senhor, vou lá abaixo "à do Tinoco", fica em casa, é?
- Fico sim, se não se importar, vou ler umas coisas...
- Leia, leia, mas veja lá se apanha ar.
E saiu de casa a pensar que podia ter dado uma resposta melhor. Incomodava-a ter estranhos a ler ou a fazer o que quer que fosse , o dia todo fechados na sua casa. E esqueceu-se de trancar a porta do seu quarto.

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